TJBA 16/09/2022 | Folha | 953 | CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL | Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.179 - Disponibilização: sexta-feira, 16 de setembro de 2022
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Não se desconhece que os analfabetos possuem capacidade civil plena para a prática de atos negociais, até mesmo porque conclusão
diversa poderia ser interpretada como vilipêndio a sua dignidade. Entretanto, é de clareza solar que a sua condição demanda maiores
cautelas quando da celebração de negócios jurídicos, sobretudo quando escritos, onerosos e protagonizados por indivíduos idosos.
A cautela a ser adotada salta aos olhos quando se tem em mente o conceito de hipervulnerabilidade. Explico.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) foi concebido com arrimo no conceito de vulnerabilidade do consumidor, é dizer,
no reconhecimento da sua situação de desvantagem em relação ao fornecedor e consequente necessidade de proteção especial no
mercado de consumo.
Partindo da ideia de que todo e qualquer consumidor é presumidamente vulnerável, é fácil compreender que a condição de idoso
analfabeto qualifica a já reconhecida desvantagem do consumidor ordinário, perfazendo um acréscimo de fragilidade, de maneira que
passa a se configurar uma hipervulnerabilidade, que impõe uma proteção ainda mais rígida das relações consumeristas protagonizadas pelos detentores das aludidas condições.
Vale destacar que o art. 39 do CDC reconhece expressamente a hipervulnerabilidade nos termos aqui enunciados ao instituir como
prática abusiva que o fornecedor se prevaleça da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impor-lhe produtos ou serviços. Destaco:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
[...]
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços;
Contextualizada a situação e expostos os baldrames axiológicos que nortearão a resolução da controvérsia, passo a analisar a proteção contratual prevista no CDC, destacando a inafastável necessidade de prestação de informação clara e efetiva sobre os termos
da avença:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[…]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão
de seu sentido e alcance.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
[…]
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte
não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Ressalte-se que os contratos de concessão de crédito receberam tratamento individualizado do legislador que, vislumbrando as implicações danosas da sua inconsequente contratação e no intuito de reforçar a necessidade de precaução na sua celebração, dedicou
todo o art. 52 do CDC para esmiuçar o que se deve entender por conhecimento mínimo em tais avenças:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o
fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
[…]
Pois bem.
Da análise dos autos, não ficou demonstrada a contratação de empréstimo pela parte requerente que lastreie a consignação em pagamento das prestações em seu benefício previdenciário.
De fato, a parte ré apresentou o mesmo instrumento contratual, TED e outros documentos, em todos os processos, tentando ludibriar e
induzir este juízo a erro; deixando, quando podia, de comprovar a existência de relação jurídica com o(a) demandante, de maneira que
merece acolhimento a alegação do(a) autor(a) de que não celebrou qualquer negócio jurídico com a entidade requerida.
Pugna a parte requerente pela responsabilização objetiva do fornecedor pelos danos causados.
É certo que se o fornecedor não elege melhores e mais seguros meios de assegurar a efetiva prestação de segurança na realização
de avenças no mercado de consumo, traz para si a responsabilidade inerente ao defeito do serviço, sendo obrigado a indenizar o dano
que venha a causar. Cabe a parte ré se cercar de maiores cautelas para permitir a celebração de negócios jurídicos, devendo, quando
não o faz, responder objetivamente por isso. Nesse sentido preconiza o art. 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Sobre o pedido de ressarcimento de danos materiais, verifico que a parte autora pugna pela repetição em dobro das prestações descontadas em seu benefício, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC.