TJBA 16/09/2022 | Folha | 954 | CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL | Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.179 - Disponibilização: sexta-feira, 16 de setembro de 2022
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Diante da inexistência da relação jurídica que lastrearia a cobrança de contraprestações, procede o pleito autoral de repetição em
dobro dos valores descontados, uma vez que, para efeitos de incidência da regra consumerista, constata-se nos autos a ocorrência
de cobrança indevida.
Lado outro, é ilegítima a pretensão de restituição de valores, já que não houve comprovação nos autos que estes foram pagos pela
instituição financeira.
No que concerne aos danos morais sofridos pelo(a) demandante, na forma do supracitado art. 14 do CDC, recai sobre a demandada
o dever de compensar ofensa a direito existencial da parte que possa ter causado com sua conduta.
Lecionam Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto1, que “dano moral pode ser conceituado como
uma lesão a um interesse existencial concretamente merecedor de tutela”, o que perpassa, necessariamente, pela análise do substrato
material da dignidade, assim como pela aplicação casuística da técnica da ponderação entre os interesses contrapostos.
No caso posto, é possível constatar a ocorrência de violação da segurança de contratar no mercado de consumo, assim como que
a parte autora fora privado do uso de importância descontada de verba alimentar, já percebida em valor mínimo, com a consequente
redução da sua condição de sobrevivência. Perceba que tudo em decorre da cobrança de contraprestações sem lastro em qualquer
negócio jurídico.
Demonstrada está, portanto, a existência do dano moral. Com efeito, a celebração do contrato sem a observância do dever de segurança (fato) é causa suficiente para gerar afronta do direito da liberdade de contratar no mercado de consumo de maneira segura, assim
como comprometer verba alimentar (dano).
Passo a fixar o valor da compensação à título de danos morais.
A determinação do montante da indenização deve observar o princípio da razoabilidade e, sem que aqui se pretenda negar a subjetividade da questão, adotam-se alguns os critérios norteadores da quantificação, muitos deles extraídos da obra de Rizatto Nunes, quais
sejam: a) a natureza específica da ofensa sofrida; b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do consumidor ofendido; c) a
repercussão da ofensa no meio social em que vive o consumidor ofendido; d) a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor
voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso; e) a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo evento danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta; f) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando a diminuir a dor do ofendido;
g) a situação econômica do ofendido; h)necessidade de punição, etc.
Analisando o contexto em que se dá o surgimento de ações como a presente em cotejo com a prova produzida nos autos arbitro o
montante de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) como valor suficiente para punir a ré pela prática da conduta reprovável aqui
descrita e desestimular a mesma, e, ainda, para, ao menos, compensar a parte ofendida pelos transtornos causados pelo ato ilícito,
sem que se constitua causa de enriquecimento ilícito. Explico.
A condição social do(a) requerente não permite a fixação de compensação em quantias elevadas, tendo em vista que se trata de segurado da previdência que recebe benefício em seu valor mínimo, possuindo condição de vida humilde.
Tudo isso evidencia que o arbitramento da compensação em quantia superior a ora fixada, e nesse ponto divirjo de alguns precedentes
judiciais, extrapola à finalidade decorrente do reconhecimento do dano moral, provocando enriquecimento injustificado.
Por fim, à vista de toda a fundamentação lançada, promovo nesta sentença a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que
sejam imediatamente suspensos os descontos das parcelas atinentes ao mútuo no benefício previdenciário da parte autora.
Diante do exposto, rejeitando a(s) preliminar(es) suscitada(s), JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o feito com resolução
de mérito na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil para:
(a) reconhecer a inexistência do(s) contrato(s) de mútuo objeto da presente demanda;
(b) antecipar os efeitos da tutela nesta sentença e obrigar a parte acionada a interromper as deduções na folha do benefício previdenciário da parte demandante, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena da incidência de multa mensal de R$200,00 (duzentos reais), na forma
dos arts. 536 e 537 do Código de Processo Civil, sem prejuízo da restituição dos descontos realizados após esta sentença, acrescidos
de juros de mora de 1% ao mês e de correção pelo INPC desde a sua ocorrência.
(c) condenar a ré a restituir à parte autora, em dobro, os valores descontados em seu benefício previdenciário — incluindo, como dito,
os descontados em desacordo com o item ‘b’ — acrescida de correção monetária pelo INPC a partir da data em que cada desconto
indevido foi efetuado (cf. Súmula 43 do STJ) e juros moratórios legais no percentual de 1% a.m (um porcento ao mês) desde a citação
(cf. art. 405 do CC) .
(d) condenar o réu a pagar à autora a quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) a título de danos morais, acrescida de juros
de mora da ordem de 1% ao mês desde a citação (cf. art. 405 do CC e art. 240, do CPC) e de correção monetária conforme o INPC a
partir do arbitramento (Súmula/STJ 362).
Atente-se para o fato de que, independentemente de nova intimação, caso a(s) obrigação(es) de pagar estabelecidas nesta sentença
ou em eventual acórdão não seja(m) adimplida(s) no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado, será acrecida multa e honorários de
advogado no percentual de 10% (art. 523 do CPC), sem prejuízo das demais cominações decorrentes da mora, tudo em conformidade
com o art. 52, inciso III, da Lei n. 9.099/95.
Intime-se pessoalmente a parte ré para que proceda (Súmula 410 do STJ), no prazo de 30 dias, ao comando de cancelamento das
consignações de que cuidam os autos, sob pena da incidência de multa mensal no valor de R$200,00.
Para fins de posterior cálculo da condenação a ser executado, será necessário que a parte acionante junte aos autos, após o cancelamento dos descontos, o extrato previdenciário denominado - HISCNS - Histórico de Consignações.
Não incidem custas ou honorários, na forma do art. 55 da Lei n. 9.099/95.
Condeno ainda o réu a pagar ao autor, a título de multa por litigância de má-fé, o valor de 5% sobre o valor atualizado da causa.
Havendo depósito expeça-se o Alvará.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Observe-se para a publicação os nomes do(s) causídico(s) indicado(s) pela defesa.
Transitada em julgado, nada mais havendo, remetam-se ao arquivo, com baixa.
Miguel Calmon, 19 de Fevereiro de 2019.
Priscila da Cruz Francisco
Juiza Leiga
Homologo a referida Sentença, tornando-a eficaz, nos termos da Lei 9.099/95.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
MAURICIO ALVARES BARRA
Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Jacobina
em designação para esta Comarca de Miguel Calmon-BA